Para um bom entendedor, um pingo é letra

Por Coltri Junior

Lembro bem do que o meu pai sempre dizia: “para um bom entendedor, um pingo é letra”. São Francisco, por sua vez, nos ensinou: “ó Mestre, fazei que eu procure mais […] compreender, que ser compreendido”.

E, sim, claro, é verdade que isso não é fácil (aliás, muito pelo contrário).

Entender o outro significa renunciar às suas amarras, tentar isolar o seu sistema de crenças, pelo qual tomamos todas as nossas decisões (não me refiro aqui a crenças religiosas, mas a tudo em que acreditamos ser verdade), se abrir para realmente ouvir (destinar atenção plena ao que está sendo dito ou ao que está escrito, ou mesmo, visto), permitir que uma ideia nova possa fazer sentido para você, mesmo que não concorde com ela (é preciso visitar a ideia do outro, sua forma de pensar).

Aliás, é insano (e injusto) fazer juízo de valor daquilo que não se entende; não faz o menor sentido.

Diferença Entre o Dito e o Entendido

Um dos grandes problemas desse processo é quando acreditamos que já entendemos o que está sendo dito, mas, na verdade, é exatamente ao contrário. Sem atenção, podemos nos enganar facilmente. O que diz pode ser uma coisa, o que se entende, outra (por vezes, totalmente diferente)

E isso ocorre exatamente por pré concepções. É um olhar só para si, quando a atenção deveria estar voltada ao outro, ao que ele está dizendo.

Ocorre que nós, até por conta de economia de gastos energéticos, simplificamos muito as coisas (as coisas são complexas, mas nossa cabeça, até para facilitar o entendimento, tenta simplificar, padronizar… e é aí que mora o perigo).

Pessoas são assim, extremamente complexas.

As janelas de Johari

Joseph Luft e Harrington Ingham, por exemplo, dizem que temos 4 zonas do que eles chamam de “janelas” (as Janelas de Johari – junção do nome dos dois), grosso modo: o que vemos em nós e os outros também; o que vemos em nós, mas os outros não; o que os outros veem em nós, mas nós não; o que ninguém vê em nós: nem nós, nem os outros.

Janela de Johari
Janela de Johari

Por não sabermos disso, muitas vezes olhamos para as pessoas (e para as Instituições, também)e, pela relação que já tivemos com elas, acreditamos que já a conhecemos por completo. Eis o perigo.

Por isso, cuidado: quando se diz que “para quem sabe ler, um pingo é letra”, não se está dizendo que um pingo é um conceito. É apenas uma letra. O alfabeto latino nos dá 26 letras. A junção delas nos possibilita infinitas palavras.

Portanto, temos infinitas possibilidades. Como, no modo automático, lemos as palavras, não as letras, podemos incorrer em sérios equívocos. Há momentos nos quais é preciso ler letra por letra, para não se enganar.

Eu, que não fumo, queria um cigarro

O fato é que precisamos enxergar os lados ocultos de nós e dos outros. Por vezes, até nós mesmos lidamos com paradoxos internos. Imagine com as outras pessoas.

Temos desejos inusitados, vontades momentâneas diferentes, pensamentos que podem fugir aos nossos padrões (aquelas janelas nas quais estão aquilo que não conhecemos – e nas que os outros não veem sobre nós, mas pode aflorar).

Humberto Gessinger, por exemplo, diz, na canção Eu que não amo você: “eu, que não fumo, queria um cigarro / eu, que não amo você…”. É tipo o Deus me livre, quem me dera, dos Barões da Pisadinha, ou mesmo o que diz a Banda Rádio Taxi, em Quarta-feira (versão da canção italiana Tu Cosa Fai Stasera): “já que tanto faz, descubra que é melhor a gente ficar junto”.

Compreender exige mergulho

O fato é que precisamos aprender a ler de verdade, mergulhar na relação, focar no que está sendo dito. E isso nos obriga a um processo de atenção efetiva na comunicação.

Se não nos colocarmos em sintonia, a chance de conflito desnecessário é imensa.

Em resumo, Mário Quintana nos dizia que “quem não compreende um olhar, tampouco compreenderá uma longa explicação”.

Mas, para isso, é preciso ser alfabetizado nas letras da vida, das relações, da humildade, do se abrir para compreender o outro.

Nosso poeta fala sobre a capacidade de se compreender o olhar, ou seja, não é da primeira vez. Quem não consegue desenvolver essa capacidade, não a terá para explicações.

E mais: cada um tem vários olhares diferentes.

Por isso, é preciso se preparar para entender os olhares de modo singular. É preciso se alfabetizar nas relações para ler os pingos (inclusive os dos “is”).

Pense nisso, se quiser, é claro!

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